Cão sem tratamento adequado para leishmaniose deve sofrer eutanásia, diz Conselho

Lívia Marra

Antes caracterizada como uma zoonose de áreas rurais, a leishmaniose tem avançado sobre zonas urbanas. Transmitida por mosquito, a doença é grave, mas tem tratamento em humanos. No caso dos cães, restam duas opções ao tutor: encaminhar o animal para eutanásia ou tentar o único tratamento aprovado no país, que é recente e caro.

O cachorro não transmite diretamente, mas é o principal reservatório da doença, causada por parasita e que chega ao homem pela picada do flebotomíneo, ou mosquito-palha.

O uso de remédios não autorizados ou de uso humano em animais é proibido, e o veterinário que receitar pode sofrer processo ético-profissional.

Neste mês, o CFMV (Conselho Federal de Medicina Veterinária) reforçou sua defesa pelo cumprimento de portaria de 2008 que normatiza o tratamento da Leishmaniose Visceral Canina e veta métodos alternativos, que não eliminam a infecção ou impedem o ciclo de transmissão.

O tratamento permitido no Brasil não implica cura. O remédio, autorizado pelo governo no fim de 2016, reduz a carga parasitária, a transmissibilidade e ameniza os sintomas no animal, que continua sendo reservatório da doença e precisa monitoramento constante.

O Milteforan deve ser administrado  durante 28 dias consecutivos e pode ser novamente necessário após três meses, conforme avaliação do veterinário. O valor vai de cerca de R$ 1.000 a mais de 2.000 o frasco, dependendo da dosagem.

Para Nélio Batista de Morais, presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária do CFMV, a droga não pode ser considerada uma medida de saúde pública eficaz para a contenção da doença. “O tratamento da leishmaniose visceral é uma questão apenas de proteção individual. Não tem nenhum estudo ainda que possa comprovar algum nível de impacto do tratamento em relação à saúde pública”, diz.

A morte do animal pode ser decretada caso não responda de maneira satisfatória ao medicamento ou o tutor não tenha acesso ao tratamento, que, além dos custos da droga, inclui acompanhamento médico pelo resto da vida –por isso, a guarda responsável é parte da terapia.

O medicamento traz esperança e possibilidade de manter o animal vivo, mas não exclui prevenção –melhor forma de conter a leishmaniose.

Coleira específica e vacina podem evitar a doença e são recomendadas especialmente em áreas onde há maior risco de infecção. Uso de repelentes, telas em canis, limpeza de áreas e eliminação de focos do mosquito também são medidas preventivas.

SINTOMAS

Cães infectados podem apresentar sintomas como lesões na pele, crescimento anormal de unhas e perda de peso, mas há casos assintomáticos, o que dificulta o diagnóstico.

Para humanos, não há vacina que previna a doença. Alguns sintomas são febre de longa duração, aumento do fígado e baço e anemia.

CHANCE DE VIVER

Seja pelo fato de o remédio ser novo ou com custo elevado, o tratamento é alvo de polêmicas por não levar à cura definitiva.

Antes de entrar no mercado brasileiro, testes com o Milteforan foram feitos com 36 cães, que apresentaram melhora nas condições de saúde, sem efeito colateral, e não transmitiam mais a doença, disse na ocasião um representante do laboratório Virbac.

Com isso, documentos entregues aos ministérios da Agricultura e da Saúde mostraram a eficácia e a segurança do produto.

Desde então, a chance de manter o animal vivo levou tutores a brigar na Justiça para não entregar o animal doente a centros de controle de zoonoses.

Foi o caso de Bolinha. Após o diagnóstico, a eutanásia foi determinada pelo CCZ (Centro de Controle de Zoonoses) de Pereira Barreto, interior de São Paulo. Os tutores, porém, conseguiram decisão favorável em recurso aceito pela 3ª Câmara de Direito Público.

Em janeiro deste ano, a advogada Tainá da Silva Buschieri, que representa o tutor do Bolinha, disse que o cachorro estava sem os sintomas da doença —como feridas ou falta de pelos— e convivia normalmente com dois outros animais.

No ano passado, a ONG Arca Brasil e o Brasileish –associação para pesquisa e orientação ao manejo clínico da doença– lançaram nas redes a campanha #NãoMateTrate, para conscientizar sobre a possibilidade de tratamento da leishmaniose em cães.