Abandono de cães é recorrente e aumenta no fim do ano; entenda

Lívia Marra

Gregório pode dizer que teve sorte. O cãozinho foi abandonado por um motorista em uma rua de Belo Horizonte, mas logo ganhou casa nova. Casos como o dele são frequentes –embora nem sempre com final feliz. E o abandono cresce na época das festas de fim de ano e das férias, segundo protetores dos animais.

“Abandono existe todo dia, em todo lugar. De 200 e-mails que recebemos, pelo menos 30% são de pessoas que estão mudando, e o animal não cabe na mudança. Esses animais certamente são abandonados, deixados para trás”, afirma Vicente Define Neto, diretor da ONG Cão Sem Dono, que abriga cerca de 260 cães na Grande São Paulo.

No caso de Gregório, de aproximadamente  1 ano, não se sabe por que ele foi largado na rua, em outubro. “Ele foi abandonado por um carro próximo a uma padaria. A funcionária viu e acionou uma protetora”, diz Neila Caputo, que viu a foto do bichinho em rede social e resolveu adotar. 

“Meu marido se apaixonou por ele. Buscamos, levamos à veterinária, ele fez exames, foi vacinado, castrado, usou colírio, antibióticos. Gregório agora tem uma vida feliz, entre pracinhas e eventos pets. Difícil entender por que foi abandonado”, diz.

Gregório foi abandonado por um motorista, mas ganhou novo lar (Reprodução/Instagram/perolacarolline)

Para Rosângela Ribeiro, gerente de programas veterinários da World Animal Protection, falta fiscalização e educação em guarda responsável.

Segundo ela, há pessoas que tratam animais como ‘coisas’ e estabelecem vínculos fracos com os bichinhos.

“O ideal seria que a aquisição de um animal fosse a mais responsável possível. Ou seja, se você não adota por impulso, se você adota de uma maneira consciente e se você entende que aquele animal é de sua responsabilidade para o resto da vida e que é um crime abandoná-lo, as chances de abandono serão quase nulas”, afirma. 

ABANDONO NA ÉPOCA DAS FESTAS

“As pessoas viajam [no fim de ano e férias] e muitas vezes não têm com quem deixar ou como levar o cão. Levar dá trabalho, e preferem abandonar”, afirma Hanriette Soares, presidente do Paraíso dos Focinhos.

O diretor da Cão Sem Dono lembra que muitos deixam o animal em casa, e ele acaba fugindo. “Na volta não encontram [o cão], mas também não procuram”, diz.

De acordo com a gerente da World Animal Protection, no país, várias ONGs situadas nas metrópoles denunciam aumento de até 1.000% nas ocorrências de animais abandonados durante os meses de dezembro, janeiro e fevereiro.

“Existe no Brasil um tipo de abandono domiciliar, onde os animais não são colocados na rua ou levados a uma rodovia, mas simplesmente são deixados no próprio quintal com um pouco de água e comida, que acabam rapidamente, levando o animal a extremo sofrimento e até a morte por inanição. Muitos acabam fugindo com medo dos fogos, comuns nessa época, e acabam sendo atropelados”, diz Rosângela.

PRESENTE DE NATAL

Ela afirma que, apesar dos dados de abandono, é também nesta época que as lojas mais vendem animais para serem dados de presente no Natal.

” Muitas vezes nos esquecemos de que eles não são objetos, que possuem vida, sentimentos, necessidades físicas, psicológicas e sentimentais e que vão necessitar de muita atenção por cerca 15 anos. Nunca sabemos se realmente a pessoa presenteada quer realmente cuidar de um animal ou se tem a noção de que o filhotinho lindo vai crescer e se tornar um cão grande e não tão divertido. E aí surgem os problemas, pois muito animais começam a se tornar um incômodo quando acontece troca de casa, separação de casais, ou mesmo quando as crianças querem outra raça ou um cão mais brincalhão.”

Segundo ela, na Suíça, por exemplo, para adquirir um pet, a pessoa é obrigada a frequentar aulas de comportamento animal e posse responsável.

Cães abrigados pela Cão Sem Dono (Reprodução)

CRIME 

Abandono e maus-tratos são crimes previstos em lei, mas poucos casos são denunciados e se tornam processo.

Além disso, há dificuldade em identificar o tutor.

“Apesar de existirem várias leis que propõem o uso de microchips, raríssimos animais são microchipados no Brasil, e assim fica quase impossível provar que o cão abandonado é de determinada pessoa”, afirma Rosângela.

PELO MUNDO

O aumento de animais abandonados nas férias não é, no entanto, um problema que só ocorre no Brasil.

“Apesar de Europa, EUA e Brasil terem diferentes níveis socioeconômicos e culturais e também possuírem diferentes legislações pertinentes a essa questão, todos eles padecem da mesma dificuldade”, afirma Rosângela.

Segundo ela, na Europa, países como Alemanha, Itália, Espanha e Portugal agora fazem campanhas anuais sobre guarda responsável é alternativas ao abandono nas férias, após vivenciar o problema por décadas. 

“Na Alemanha, há estimativas que aproximadamente 30.000 animais são abandonados todos os verões. Em algumas cidades, é comum vermos cães amarrados nos guard rails das principais rodovias, enquanto a população sai para curtir suas férias na Grécia, Croácia ou Península Ibérica”, diz.